Chico Mendes, uma história de luta e glória em defesa da Amazônia
Cleber Borges
Nestes 28 dias que antecedem 22 de dezembro, o fatídico dia em que o líder sindical e ambientalista Chico Mendes foi assassinado a mando do fazendeiro Darli Alves, que em nome dos devastadores da selva amazônica não o queriam como empecilho, Ilzamar Gadelha Bezerra Mendes (43), a viúva, e Elenira Mendes (24), filha de Chico Mendes, aproveitaram um intervalo de trabalho no escritório de Rio Branco do Instituto Chico Mendes para relembrar os ricos, mas curtos momentos de convivência familiar que, ao lado do filho caçula Sandino Mendes (22), tiveram com a maior “lenda” da história acreana.
Ilzamar deixou a direção da Fundação Chico Mendes, em Xapuri, para ajudar a filha a “fechar” a vasta programação de atividades que a Fundação, o Instituto, o Comitê, os governos Federal, estadual e municipal, ong´s e outras instituições nacionais e estrangeiras irão promover, nos próximos dias, em homenagem ao ambientalista.
Dentre os eventos programados consta a realização de uma sessão do Ministério da Justiça, em Rio Branco, para julgamento da anistia póstuma do sindicalista. Também há previsão de que o presidente Lula faça um pronunciamento em cadeia nacional, direito de Xapuri, no mesmo horário do assassinato de Chico Mendes. Se não for possível, esse pronunciamento deverá ser feito diretamente de Brasília.
Além de ambientalista, Chico também se mostrou um educador
Ilzamar começou narrando a história de sua pobre infância no seringal Santa Fé, colocação Morada Nova, distante cerca de 50 km da sede do município de Xapuri, local onde ela e sete irmãos nasceram e foram criados. Ela conta que, até 18 anos atrás, antes de transformarem o seringal em fazenda, a família dela ainda morava naquela localidade, onde, aos 6 anos, conheceu Chico Mendes.
Segundo a viúva, Chico foi trabalhar com os pais dela, Joaquim Moacir Bezerra e Luiza Gadelha Bezerra, na condição de meeiro. Além das virtudes de homem combativo e envolvido com as questões ambientais, ela conta que o ex-marido tinha uma virtude a mais, pouca difundida: era preocupado com a escolarização de quem vivia na mata, sobretudo das crianças.
Todas as vezes que ia para as “estradas” de seringa, Chico deixava uma lição para ela e os irmãos estudarem. Quando ele voltava no fim do dia, cobrava a tarefa. A intenção, segundo Ilzamar, não era só ensinar a ler, mas a fazer contas. Ele acreditava que, assim, os patrões não iriam roubar no peso e nem no preço da borracha. “O ensinamento já vinha imbuído de política, de defesa do meio ambiente, de direito de igualdade a todos. Tudo isto ele já trouxe de berço”, diz.
Chico debatia a questão da exploração do homem pelo homem desde adolescente. Na época, ele discutia com o pai de Ilzamar a idéia de fundar um sindicato. Decidido a fazer isso, depois de se tornar vereador eleito pelo PMDB e cumprir o mandato, ele foi para Brasiléia, onde se juntou com Ilson Pinheiro para ajudá-lo nos conflitos de terras que havia naquele município fronteiriço. Depois de ajudar a fundar o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, ele continuou em Brasiléia por dois anos.
Na volta à Xapuri, ele continuou no trabalho de politização das comunidades. Insuflado por Chico Mendes, Joaquim Moacir entrou em rota de colisão com o seringalista Guilherme Lopes, dono do seringal Santa Fé, onde eles moravam. Depois de tomarem consciência de que estava sendo vilipendiado, o pai de Ilzamar começou a vender a produção de borracha a outros seringalistas. Ele queria acabar com a eterna relação de dependência que havia entre patrão e empregado. Queria parar de vender a produção e continuar devendo. No instante em que passou receber melhor remuneração pelo que produzia, começou a sobrar dinheiro. “Só depois disso é que minha mãe pôde comprar um remédio, uma sandalinha”, diz Ilzamar, lembrando da infância pobre que teve.
Projeto Poronga foi criado por Chico Mendes
Quando Chico Mendes volta à Xapuri, Ilzamar já havia completado 15 anos, vinte a menos que ele. Apesar de terem convido durante anos, o romance entre os dois começou a partir desse momento, segundo ela, com rápidos e lânguidos olhares. Percebendo a aproximação diferenciada, Luiza Gadelha – a mãe – não dava trégua. Essa situação, segundo Ilzamar, durou cerca de um ano e meio até que Chico resolveu “pedir a mão da moça” para namorar.
Eles se casaram em 1980, quando ela tinha 17 anos. A cerimônia no civil aconteceu em Brasiléia. Logo depois, eles foram morar em Xapuri, na casa de um primo de Chico Mendes. “Casei por amor. Apesar de ser, na época, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, ele não tinha nenhuma condição”, conta a ex-mulher do presidente do Sindicato mais forte do Estado do Acre.
Apesar da fragilidade da estrutura, a entidade mostrava força pelo número de filiados. Ilzamar conta que, para juntar os quatro mil associados, a assembléia tinha que ser realizada no salão paroquial. Chico fundou e dirigiu o sindicato até 1988, ano em que foi assassinado.
No período em que permaneceu como dirigente do sindicato, Chico Mendes obteve grandes conquistas. Sob orientação dele, a entidade criou o CNS (Conselho Nacional dos Seringueiros), o CTA (Centro dos Trabalhadores da Amazônia), algumas cooperativas e, apesar do pouco apoio das autoridades constituídas, ajudou também a fundar várias escolas e 18 postos de saúde no perímetro urbano e rural.
O projeto Poronga de alfabetização de jovens e adultos, que hoje apresenta excelentes resultados, também foi criação de Chico Mendes. “Quando conseguia realizar alguma coisa em benefício das comunidades, os olhos do Chico chegavam a brilhar”, diz Ilzamar. Assim como o ex-governador Jorge Viana lamentou o fato de Chico não ter vivido para presenciar o êxito da Frente Popular, Ilzamar também lastima o fato dele não ter assistido a criação das reservas extrativistas, um sonho que ele acalentava há anos. Ironicamente, a primeira delas surgiu exatamente em 1988, no ano de sua morte. A reserva Chico Mendes possui mais de um milhão de hectares. “A maioria das autoridades, tanto federal como estaduais, era contra a idéia naquela época. Depois que o Chico perdeu a vida, quase todos apareceram apoiando a idéia que, finalmente, foi concretizada através de decreto”, critica a viúva.
Tempo para a família era reduzido, mas intenso
Chico Mendes tinha pouco tempo para a família, mas, segundo a viúva, era extremamente dedicado. Ela afirma que ele vivia se justificando, dizendo que não fazia mais porque tinha uma missão na vida, que era o trabalho em prol dos menos favorecidos. “Sete dias antes de morrer, ele disse que aquele seria o último aniversário que a família passaria junta. Então eu disse: por que você não abandona tudo? Temos que criar nossos filhos. Ele disse: tenho uma missão importante para nossos filhos e toda uma geração”.
Ilzamar diz também que, na época, tinha consciência do quanto ela era politizada, mas, mais do que isso, tinha o compromisso de ser uma grande mulher ao lado de uma liderança nata que era seu marido. “Com o Chico tive momentos bons e momentos difíceis. Era comigo que ele desabafava, era para mim que ele contava a pressão que sofria. Vi e convivi com tudo isso que aconteceu”, diz.
Ela conta que, depois da morte do marido, além da ajuda que a instituição internacional Ashoca havia concedido a ele por ter conseguido destaque como empreendedor ambiental, a família só veio receber apoio em 2000, no segundo ano do mandato do ex-governador Jorge Viana. Através de convênio firmado com a Fundação Chico Mendes, o Estado concedeu uma bolsa de estudos para os filhos Elenira e Sandino Mendes.
22 de dezembro, o dia do assassinato
Às vésperas de morrer, Chico Mendes já era um homem público, reconhecido e com muitos compromissos no Acre, fora do Estado e do país. A mulher dele conta que, de forma inexplicável, no dia da morte dele, parecia que havia uma premonição. “Foi o dia em que ele se dedicou inteiramente à família”, diz ela.
A mulher conta que ele acordou cedo naquele dia, tomou café, pegou os filhos, os colocou dentro de um caminhão novo que havia comprado e foi passear pela cidade. O primeiro local que decidiu parar foi na sede do Sindicato. Depois, ele voltou várias vezes em casa. “Ele chegou cedo para almoçar. Ele mesmo colocou comida para a Elenira e almoçou com o Sandino. Depois, antes de estender um pano e deitar no assoalho, ele teve uma conversa com minha filha que marcou muito, para sempre”, diz.
Chico perguntou para a filhinha, de apenas 4 anos: o que você faria se eu morresse? A Elenira começou a chorar. Ilzamar presenciou essa conversa, segundo ela, com a sensação de que tinha pela frente o compromisso de cuidar só da criação e da educação dela e de Sandino.
Depois dessa conversa e do descanso, Chico saiu novamente com as crianças numa peregrinação que denotava mesmo uma despedida. Primeiro, ele fez uma visita ao hospital, conversou com as freiras e, depois, foi à casa do João Garrinha, um amigo dileto. Mais no final da tarde, voltou ao sindicato, se despediu de todo mundo e voltou para casa pela última vez.
Lá, sentou-se à mesa, convidou os dois policiais que faziam a segurança dele para jogar dominó. Por volta das 18h30, Ilzamar interrompeu o jogo, convidando o marido e os militares para jantarem porque ela queria assistir ao último capítulo da novela Vale Tudo. Chico pediu uma toalha, a colocou no ombro dele com o filho caçula nos braços e ameaçou ir em direção ao banheiro, que ficava do lado de fora. Preocupada com o risco de um resfriado, Ilzamar sugeriu que a criança ficasse.
Ela pegou o menino nos braços e voltou em direção ao corredor do quarto quando ouviu o estampido. Naquele momento, a cozinha ficou tomada de fumaça branca. Chico caiu com um tiro no peito. Agachada, Ilzamar retirou a toalha e viu o sangue jorrar pelo corpo do marido. Ele ainda chamou por Elenira tentando lhe repassar alguma mensagem antes do último suspiro.
Os policiais foram destacados para dar proteção ao líder sindicalista porque ele vinha sendo ameaçado de morte pelos fazendeiros da região. Um mês antes, Chico estava sendo protegido pelos colegas do Sindicato. Por determinação do juiz de Xapuri, a metralhadora que estava de posse dos militares foi substituída por um revólver que, segundo foi apurado na época, não funcionava. Passados 20 anos, aliado ao unânime pensamento dos acreanos, Ilzamar acha que os policiais falharam na missão atribuída a eles.
Elenira Mendes ficou com o legado do pai
Questionada se todo esse frisson em torno da celebração dos 20 anos do desaparecimento do líder ambientalista não deve passar e, em breve, cair no esquecimento, de forma taxativa, Elenira Mendes diz que não. Ela afirma que o legado de Chico Mendes agora pertence ao mundo inteiro.
“A discussão sobre as mudanças climáticas, desenvolvimento auto-sustentável sempre irá nos remeter a Chico Mendes. Antes do surgimento dos ambientalistas de plantão, ele já falava disso há mais de 20 anos. É impossível esse legado morrer”, disse ontem Elenira Mendes, presidente do Instituto Chico Mendes, entidade criada com o propósito de dar continuidade ao trabalho do pai dela.
“Esse compromisso eu tenho. Vou continuar o trabalho do meu pai, principalmente, junto aos jovens. Eles são o futuro desta nação. Se a gente conseguir isso, vou fazer uma análise bastante positiva desta nossa luta”, disse.
Ilzamar Gadelha conseguiu o que havia prometido, de forma silenciosa, para Chico Mendes: formar e encaminhar a filha na vida. Além de presidir o Instituto que leva o nome do pai, Elenira Mendes terminou o curso superior de Administração e fez pós-graduação em Gestão de Recursos Ambientais. Em 2009, depois da intensa agenda de trabalho deste ano, ela pretende dar seqüência aos estudos partindo para um mestrado na área de formação e, futuramente, um doutorado.
“Para auxiliar nas questões de aspecto legal também quero fazer o curso de Direito, mas, principalmente, para realizar o sonho que meu pai tinha que era me ver formada nessa área”, diz Elenira Mendes.
Dentre os eventos programados consta a realização de uma sessão especial da Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça, em Rio Branco, para decidir sobre o processo de anistia do sindicalista. Há também proposta para que o presidente Lula faça um pronunciamento em rede nacional, em Xapuri, no horário que ocorreu o assassinato de Chico Mendes. Se não for possível, esse pronunciamento deverá ser feito de Brasília. Dentre os eventos programados consta a realização de uma sessão especial da Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça, em Rio Branco, para decidir sobre o processo de anistia de Chico Mendes. Também está previsto um pronunciamento do presidente Lula que deverá ser feito em rede nacional, em Xapuri, no horário que ocorreu o assassinato do sindicalista. Se não for possível, esse pronunciamento deverá ser feito de Brasília